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Mal comparando, a pandemia do coronavírus é como uma avalanche. Cada pessoa representa uma pedra. Se infectada, ela desliza por um penhasco, e vai contaminando outras pessoas. Esse movimento, quando foge ao controle, soterra o sistema de saúde, provocando mortes. É contra esse pano de fundo fúnebre que proliferam por diferentes pontos do mapa do Brasil grandes celebrações de final de ano. Pessoas se reúnem às centenas para dançar, comer, beber e se infectar.
Convites são comercializados na internet com inusitada transparência. Flagrantes de grandes aglomerações inundam as redes sociais com hedionda naturalidade. Não bastasse a pandemia, o Brasil enfrenta surtos de insensatez. O grande problema é que a imprudência dos insensatos infecciona a precaução dos cuidadosos. Nenhum ser humano tem domínio sobre a vida e a morte. O nascimento é uma contingência. O funeral, uma fatalidade. O segredo da existência está em saber usufruir da transição entre o útero e a sepultura.
A vida se torna muito mais agradável e divertida quando conseguimos combinar a liberdade de fazer escolhas com a responsabilidade pelas escolhas que fazemos. Quem vai a uma grande festa em plena pandemia exibe a sensibilidade de uma pedra que não se sente responsável pela avalanche que provoca. E cada vez que alguém imagina que a crise sanitária não é seu problema, essa atitude individual magnifica o problema coletivo.
Quem enxerga neste ocaso de 2020 razões para participar de festejos coletivos empurra com mais força para dentro de 2021 uma avalanche que abarrota os hospitais, tira o sono dos profissionais da saúde, sobrecarrega os coveiros e dilacera a alma dos familiares e amigos dos quase 200 mil mortos que a Covid já produziu no Brasil. Se a sociedade brasileira já estivesse sendo vacinada, as festas seriam focos de irresponsabilidade. Numa quadra em que faltam ao Brasil, além de vacinas, também as seringas, a celebração é um evento patológico.